terça-feira, 2 de março de 2010

Il pleut encore sur le genie...



"Sing me to sleep
Sing me to sleep
I don't want to wake up
On my own anymore
Sing to me
Sing to me"
The Smiths - Asleep

"Achei necessário escrever, urgentemente, e o dia nem começou. A razão é a mesma de sempre e o que vou escrever é uma variação da forma de contar o que conto sempre. Se houvesse como, eu não escreveria, dormiria, e sonharia como qualquer outro, mas não sonho nem durmo apenas penso, mastigo essa necessidade e não consigo engoli-la completamente. Fica-me um gosto na boca, um resto de desejo... num canto, entre os dentes, apertado, um pedaço que sobrou ainda, então começo a mastigar novamente; os dentes doem, o coração aperta e o sono vai.
Pensei que haveria algum consolo no tempo. Que os dias iam limpar, mesmo que vagarosamente, sua presença. Pensei também que eventualmente eu descobriria que os livros que você deixou desbotariam e eu perderia o interesse neles, e que as suas musicas perderiam o som e circulariam pela casa sem esbarrar nos móveis, sem esbarrar em mim. De maneira tola achei que me acostumaria a passar as noites só, que a ferida fecharia e que eu poderia dormir enfim e acordar sonolento, e apenas ocasionalmente lembrar que um dia você viveu aqui também. Pensei que o tempo e a nova tinta das paredes, as cortinas novas para as que eu joguei fora, os novos lençóis e a ausência dos quadros dos quais me desfiz iam levar também seu cheiro desse lugar. Me enganei.
Hoje vivo numa casa fantasma onde te encontro nos móveis que não existem mais, nas manchas na parede dos quadros que se foram e no eco da música que a casa toca e toca em mim. Por fim, entendi que não adiantaria nem mesmo mudar de casa. Eu seria apenas um estranho em outro lugar. Não adianta viajar, mudar a forma ou nome, engordar ou emagrecer. Não adianta tentar dormir, não adianta tentar fugir. Você está, verdadeiramente, em mim.

Eu abro a janela e deixo entrar o vento. A mim só resta mesmo esperar o dia chegar. "

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